sexta-feira, 27 de julho de 2007

A dor que dói mais

(Amor a Todas as Horas, por Simon Silva)

Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um estalo, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na esquina da mesa, dói morder a língua, dói
cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma brincadeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade que mais dói é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro
sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua chorando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi à consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada;
se ele continua a trabalhar no relatório;
se ela aprendeu a conduzir;
se ele continua preferindo Stout;
se ela continua preferindo sumo;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ele continua abraçando tão bem;
se ela continua gostando de Massas;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
Não saber como conter as lágrimas diante de uma música;
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a
todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que
você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

Martha Medeiros

Papo dispersivo sobre a paixão

(Nude and Still Life, por Pablo Picasso)

As pessoas amam muito mais a expectativa do amor possível que o amor propriamente dito.

Daí a intensidade dos impulsos bloqueados, impedidos de expansão e movimento na direção do objeto amado. Os ‘‘grandes amores’’ da literatura são grandes não por serem amores, mas por serem impossíveis. Os grandes amores da vida real só quem sente é que sabe. A impossibilidade de dimensionar um impulso afetivo carrega de energia a fantasia. E essa se encarrega de dar dimensão ao que o exercício da relação talvez tirasse.

Na paixão impossível só estão as projeções do que idealizamos, pretendemos ou não conseguimos viver em nosso cotidiano. Daí ser fácil entender sua força, sua obsessiva presença na cabeça dos enamorados. É por isso, aliás, que só é musa quem é inatingível. Case-se com a sua musa e acordará com uma jararaca... Case-se com quem ama e será feliz.

Quer se ver livre de uma paixão colossal? Vá viver com a pessoa objeto da paixão (observem, por favor, que não estou usando a palavra amor). Aliás já está nos clássicos e mesmo antes deles, nos antigos, quando diziam que ‘‘A conquista enobrece e a posse avilta’’. Ou como dizia Goethe: ‘‘Nas batalhas da paixão ganha aquele que foge’’.

Quantas vezes as relações humanas terminam ou se interrompem sem terem esgotado o potencial de possibilidades adivinhadas, intuídas, sentidas. Aí, o que não se esgotou clama por vir à tona e muitas vezes ameaça ocupar (e às vezes ocupa, efetivamente) todo o ‘ego’. Não é por outra razão que o apaixonado é o maior dos egoístas. Ao dedicar tudo ao objeto da paixão, está é alimentando a própria necessidade seja de sofrimento, de idealização, de felicidade ou de fantasia. Entupido de impossibilidade, ele clama. E a isso muitos chamam de amor. Mas amor é coisa muito diversa. Amor não clama nem reclama: amor dá.

Artur da Távola
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Contribuição da miguxa Gabriela Rosa.
Bjão enorme!!!!
Brigado!!!! =)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Conto de fadas para mulheres do século XXI

Era uma vez… numa terra muito distante…

Uma princesa linda, independente e cheia de auto-estima se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades ecológicas.

Então a rã pulou para o seu colo e disse:

- Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e eu transformei-me
nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo. A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre…”

Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée, acompanhadas de um cremoso molho e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:

- Nem morta!

Luis Fernando Veríssimo