quarta-feira, 30 de abril de 2008

A Dor Maior

Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...

A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...

J. G. de Araujo Jorge

O amor (Coríntios XIII)

(Cupido e Psiquê, por Jacques-Louis David)

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.

E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece.

Não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal.

Não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade.

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá.

Porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos.

Mas, quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.

Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.

---
Dedicado a minha amiga Lígia Costa que sentiu falta desse texto e me pediu para publicá-lo. 8^)
Um beijo pra você Lígia!

terça-feira, 29 de abril de 2008

Benção Irlandesa

Que o caminho seja brando a teus pés,
O vento sopre leve em teus ombros.
Que o sol brilhe cálido sobre tua face,
As chuvas caiam serenas em teus campos.
E até que eu de novo te veja,
que os Deuses te guardem nas palmas de Suas mãos

Que a estrada abra à sua frente,
que o vento sopre levemente em suas costas,
que o sol brilhe morno em e suave em sua face,
que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo...
Que os Deuses guardem, você na palma das suas mãos.

Que as gotas da chuva molhem suavemente o seu rosto,
que o vento suave refresque seu espírito,
que o sol ilumine seu coração,
que as tarefas do dia não sejam um peso nos seus ombros,
e que Deus envolva você no seu manto de amor.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Soneto do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Vinícius de Moraes

Este inferno de amar

(Water edges, por Berthe Morisot)

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando, ai, quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim, despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garrett

sábado, 26 de abril de 2008

Às Vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...

Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto?
Isto é melhor do que eu...

Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

Álvaro de Campos


Poesia indicada pela Carlinha do NaCarla

Esse blog não me sai da cabeça

Estou quebrando a rotina do "Alguns Textos..." para agradecer ao Whebson do blog Cantim da Notícia por ter nos dado o selo "Esse blog não me sai da cabeça". E agradecer em especial às palavras dele sobre o blog. Muito obrigado Whebson!

Para receber o selo indico os blogs:
Música & Poesia
Keidy Lee Jones e
A Menina Lady

E agora voltemos à nossa programação normal.

terça-feira, 22 de abril de 2008

O amor, quando se revela...

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

No corpo

De que vale tentar reconstruir com palavras
o que o verão levou
entre nuvens e risos
junto com o jornal velho pelos ares?

O sonho na boca, o incêndio na cama.
o apelo na noite
agora são apenas esta
contração (este clarão)
de maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Ferreira Gullar

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha

A World of Their Own
(A World of Their Own, por Sir Lawrence Alma-Tadema)

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus barcos...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Paulo Leminski

domingo, 13 de abril de 2008

Poesia Matemática

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.

Millôr Fernandes

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um céu e nada mais

Um céu e nada mais - que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais - que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Amor

(Farbstudie Quadrate, por Kandinsky)
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo

Mude

(Composition, por Jackson Polock)
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
Viva outros romances!
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabonete,
outro creme dental.
Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas.
Troque de carro.
Compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
Arrume um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.

Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda! "

Edson Marques

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O nosso mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno
Poisando em ti o meu olhar eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos
O teu olhar em mim, hoje é mais terno...
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e presságios!

A Vida, meu amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor!...As nossas bocas juntas!...

Florbela Espanca

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Iluminado

Ando em busca
do ponto de equilíbrio
entre o aqui
e o agora

Perco os limites
do tempo
sigo lenta.

Pensando como quem dorme
falando
como quem sonha
amando
como quem pode.

Vejo a vida
de olhos claros
translúcidos
coloridos
como vinho
iluminado.

Anna Maria Feitosa

Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca